IMPLICAÇÕES ESTRATIGRÁFICAS DAS OCORRÊNCIAS DE ESPÉCIES DO GÊNERO CLOUDINA NO BRASIL Adôrno, R. R1,2; Carmo, D. A.1; Denezine, M.1;Walde, D. H. G.1;Guimarães1, E. M.; Vieira1, L.C.; Boggiani3, P.C. 1Instituto de Geociências–Universidade de Brasília-UnB, rodrigo.adorno@cprm.gov.br; 2CPRM/SGB–Serviço Geológico do Brasil. 3Instituto de Geociências. Universidade de São Paulo. Resumo O gênero Cloudina é representado atualmente por sete espécies, restritas até o momento ao Edicarano mais superior: 1. Cloudina lucianoi (Beurlen & Sommer, 1957) (Formação Tamengo, Brasil), 2. Cloudina hartmannae Germs, 1972 (Grupo Nama, Namíbia), 3. Cloudina riemkae Germs, 1972 (Grupo Nama, Namíbia), 4. Cloudina waldei Hann & Pflug, 1985 (Formação Tamengo, Brasil), 5. Cloudina lijiagouensis Zhang, Li & Dong, 1992 (Plataforma de Yangtsé, China), 6. Cloudina sinensis Zhang, Li & Dong, 1992 (Plataforma de Yangtsé, China), 7. Cloudina carinata Cortijo et al., 2010 (Espanha). O presente trabalho aborda a atualização das ocorrências de Cloudina e seus respectivos níveis estratigráficos, bem como ilustrações do horizonte-tipo de C. hartmannae e de C. lucianoi discutindo a possível sinonímia existente entre estas duas espécies. As ocorrências no Brasil de Cloudina lucianoi, Formação Tamengo, e de Cloudina sp. Formação Sete Lagoas, são discutidas sob o ponto de vista evolutivo, trazendo possíveis novas interpretações para as ocorrências recentemente registradas no Grupo Bambuí e abordando aquelas classicamente registradas no Grupo Corumbá. Introdução O gênero Cloudina Germs, 1972 foi descrito com base no material coletado no Grupo Nama, porção sudoeste da Namíbia. A etimologia do gênero é uma homenagem ao professor Preston Ercelle Cloud, dos Estados Unidos da América. Cloudina hartmannae Germs, 1972 foi designada como a espécie-tipo do gênero, que contava naquela época com duas espécies. O material-tipo encontra-se tombado na coleção do Museu de História Natural de Cape Town, África do Sul. A diagnose do gênero e das atuais sete espécies deste gênero utiliza caracteres morfológicos internos e externos do esqueleto dos cloudinídeos. Estes caracteres são a geometria e arranjo dos cones encaixados um no outro, formando uma estrutura caracteristicamente lamelar e anelada quando em seções delgadas e seções polidas. As dimensões dos cortes destas estrutura anelar em seções delgadas, as razões de dimensões como diâmetro e comprimento dos cones, bem como análise morfológica dos constituintes das paredes dos cones tem sido utilizados para distinguir as diversas espécies. A sucessão de cones encaixados com a extremidade basal fechada e a extremidade distal aberta foram interpretadas como padrão de crescimento (Cai et al., 2014). As espécies deste gênero trazem diversas particularidades que as tornam especialmente interessantes do ponto de vista dos padrões evolutivos dos metazoários: São os primeiros metazoários com esqueleto biomineralizado (Germs, 1972; Hua et al., 2014); Na China foram descritas ocorrências de furos nos esqueletos de Cloudina hartmannae que foram interpretados como resultado de ação de predação (Hua et al., 2007). Apesar da existência das sete espécies válidas de Cloudina, a maioria das publicações abordando as ocorrências deste gênero não chega à classificação específica, se restringindo apenas a designação Cloudina sp. ou apenas Cloudina. Na Formação Tamengo as ocorrências de Cloudina tem sido atribuídas a C. lucianoi, porém alguns autores ainda se referem a Cloudina sp. nesta localidade. As recentes descobertas de Cloudina sp. nos estratos basais do Grupo Bambuí, Formação Sete Lagoas, também não abordam uma taxonomia em nível de espécie, deixando a espécie registrada em aberto (Warren et al., 2014). Estes problemas taxonômicos causam grande impacto nas interpretações, datações e correlações bioestratigráficas baseadas apenas na classificação restritas a uma atribuição em nível de gênero . Este trabalho apresenta uma atualização do estudo estratigráfico das ocorrências, bem como revisão taxonômica das ocorrências brasileiras, buscando correlacionar os horizontes da Formação Tamengo com aqueles do Grupo Nama, Namíbia e demais ocorrências de C. hartmannae. Contexto geológico das ocorrências de espécies de Cloudina no Brasil O Grupo Corumbá é a unidade litoestratigráfica que melhor representa o Neoproterozoico no Brasil. Este Grupo é constituído pelas formações Cadiueus, Cerradinho, Bocaina, Tamengo e Guaicurus. A Formação Tamengo é um dos mais representativos intervalos litoestratigráficos para o estudo de fósseis invertebrados do Ediacariano da América do Sul (Gaucher et al., 2003). Datações baseadas no método 238U/206Pb em zircões provenientes de cinzas vulcânicas, intercalados entre estratos da Formação Tamengo nas localidades das minas de Laginha e Corcal, sugerem que a idade de deposição para esta formação seja 543±3 Ma (Babinski et al., 2008). Estes níveis de cinzas estão intercalados nos mesmos intervalos onde ocorre Cloudina lucianoi permitindo datar com precisão estas ocorrências. Recentemente, ocorrências de Cloudina sp. foram relatadas nas rochas da Formação Sete Lagoas, Grupo Bambuí na localidade próxima ao Município de Januária, Estado de Minas Gerais. Com base nestas ocorrências, há a possibilidade de estimar a base do Grupo Bambuí para o intervalo do Ediacarano superior (Warren et al., 2014). Materiais e Métodos Seções polidas de calcário fossilífero foram confeccionadas para o estudo bidimensional dos espécimes de Cloudina lucianoi. Estas seções polidas fornecem informações sobre a morfologia dos espécimes em diferentes cortes. Os espécimes foram fotografados usando microscópio estereoscópico Leica. A partir das imagens, foram feitas medidas das dimensões dos espécimes: maior diâmetro, maior espaço entre paredes. A partir destas medidas foram feitas cálculos das razões entre o maior diâmetro e maior espaçamento entre as paredes dos cones. Três principais tipos de seções são observadas: cortes transversais, cortes longitudinais e cortes oblíquos. Nos cortes longitudinais mede-se o maior diâmetro, enquanto que nas seções transversais mede-se os maiores espaços entre as paredes. Durante os trabalhos de campo, diversas colunas litoestratigráficas foram confeccionadas com intuito de empilhar os litotipos e posicionar as ocorrências fossilíferas, bem como organizar a coleta de amostras de rochas. Os fósseis foram tombados na coleção de pesquisa do Museu de Geociências abrigada junto ao laboratório de micropaleontologia da Universidade de Brasília sob o prefixo CP_. As informações cartográficas da região estudada foram atualizadas com base na análise de imagens de satélite e de dados de campo. Resultados e discussão As sucessões do Ediacarano na região de Corumbá são constituídas pelas formações Bocaina e Tamengo (Boggiani et al., 2010). O estudo litoestratigráfico da região foi desenvolvido em quatro localidades: Porto Sobramil, Parque EcológicoCacimba e nas minas Corcal e Laginha Os afloramentos da Formação Tamengo nestas localidades são similares em termos sedimentares e bioestratigráficos e podem ser correlacionados entre si. O empilhamento litoestratigráfico evidencia a presença de seis pacotes de rochas siliciclásticas alternadas com rochas carbonáticas. A ocorrência de Cloudina lucianoi é restrita às camadas carbonáticas, em contraste Corumbella werneri ocorre preferencialmente nas camdas siliciclásticas. Conclusões Este trabalho mostra que Cloudina lucianoi (Beurlen & Sommer, 1957) quando comparada com as outras seis do gênero, é a única que guarda inúmeras similaridades com Cloudina hartmannae: contorno, forma, esqueleto em camadas e intervalos de dimensões compatíveis. Se a detalhada revisão de Cloudina hartmannae em andamento revelar que esta espécie é um sinônimo júnior de Cloudina lucianoi, este novo conceito leva a admitir que C. lucianoi foi uma espéciecosmopolita, com ocorrências confirmadas na África, América do Sul, Sibéria e China. A carência de estudos de taxonomia envolvendo as ocorrências de espécies de Cloudina dificulta trabalhos de correlações precisos entre os estratos depositados em em plataformas carbonáticas dos oceanos do Ediacarano na Terra. As novas ocorrências de Cloudina em outras localidades em plataformas carbonáticas no Brasil, além daquelas registradas na Formação Tamengo, como por exemplo na Formação Sete Lagoas, Grupo Bambuí, reacende a necessidade de estudos de taxonomia mais refinados para determinação precisa das idades destas ocorrências, bem como para o entendimento da paleoecologia e paleogeografia destas unidades. Caso estas ocorrências sejam atribuidas a Cloudina lucianoi, será possível datar esta unidade litoestratigrafica como Ediacarano. Neste caso, muito possivelmente, será necessária uma revisão detalhada da estratigrafia das unidades litoestratigráficas. Por outro lado, tais ocorrências podem ser de espécie de Cloudina ancestral e por isso, com aparecimento anterior à Cloudina lucianoi. Referências Babinski, M.; Boggiani, P.C.; Fanning, C.M.; Fairchild, T.R.; Simon, C.M.; Sial, A.N. 2008. U-Pb SHRIMP geochronology and isotope chemostratigraphy (C, O, Sr) of the Tamengo Formation, southern Paraguay Belt, Brazil. VI South American Symposium on Isotope Geology San Carlos de Bariloche – Argentina. Beurlen, K., and Sommer, F.W., 1957, Observações estratigráficas e paleontológicas sobre o calcário Corumbá: Rio de Janeiro, Departamento Nacional de Produção Mineral, Divisão de Geologia e Mineralogia, Boletim, v. 168, p. 1-35. Boggiani, P. C.; Gaucher, C.; Sial, A. N.; Babinski, M.; Simon, C.; Riccomini, C.; Ferreira, V. P.; Fairchild, T. R. 2010. Chemostratigraphy of the Tamengo Formation (Corumbá Group, Brazil): A contribution to the calibration of the Ediacaran carbon-isotope curve. Precambrian Research 182 (2010) 382–401. Cai, Y.; Hua, H.; Schiffbauer, J. D.; Sun, B.; Yuan, X. 2014. Tube growth patterns and microbial mat-related lifestyles in the Ediacaran fossil Cloudina, Gaojiashan Lagerstätte, South China. Gondwana Research 25 (2014) 1008–1018. Cortijo, I., Martí Mus, M., Jensen, S., and Palacios, T., 2010, A new species of Cloudina from the terminal Ediacaran of Spain: Precambrian Reseach, v. 176, p. 1-10. Gaucher, C., Boggiani, P.C., Sprechmann, P., Sial, A.N., Fairchild, T.R., 2003. Integrated correlation of the Vendian to Cambrian Arroyo del Soldado and Corumbá Groups (Uruguay and Brazil): palaeogeographic, palaeoclimatic and palaeobiologic implications. Precambrian Research 120, 241–278. Germs, G. J. B. 1972. New shelly fossils from Nama Group, South West Africa. American Journal of Science 272:752-761 Hahn, G., and Pflug, H.D., 1985, Eight Polypenartige Organismen aus dem Jung-Präkambrium (Nama-Gruppe) von Namibia: Geologica et Palaeontologica, v. 19, p. 1-13. Hua, H.; Chen, Z.; Yuan, X.; Zhang, L.; Xiao, S. 2014. Skeletogenesis and asexual reproduction in the earliest biomineralizing animal Cloudina. Geology 33 (4) p. 277–280. Hua, H., Pratt, B.R., and Zhang, L., 2003, Borings in Cloudina shells: Complex predator-prey dynamics in the terminal Neoproterozoic: Palaios 18 p. 454–459. Zhang, L., Li, Y. and Dong, J.1992. In Ding, L.F. (Ed. 1992). The Study of the Late Sinian–Early Cambrian Biotas from the Northern Margin of Yangtze Platform [in Chinese]. Scientific and Technical Documents Publishing House, Beijing, p. 1-135. Warren et al., 2014. The puzzle assembled: Ediacaran guide fossil Cloudina reveals an old proto- Gondwana seaway. Geology, 42 (5)p. 391–394.